Bosonização dos Férmions


Até a grade da cela chegava um fio de cobre por onde passava eletricidade na tensão média de 110 volts. A partir dali, toda a fiação do ambiente era feita através de finas tiras de alumínio de quentinha, que ligadas umas as outras iam se distribuindo coladas às paredes, formando com isso o esquema elétrico que alimentava as lâmpadas, rádios fm, televisor (era permitido haver um por cela, sem carcaça, somente o tubo de imagem e o chassis), ventiladores e demais ‘gadgets’ dos detentos.

Pausa para reflexão
Quando eu disse gadget, você não pensou em Smartphone/Ipod/Ipad/Iphone/Touch/Galaxy/PSP/PS3/Nintendo DS/XBOX não, pensou?


Na verdade, não há muita variedade de materiais dentro de uma cela. O regimento carcerário (que não é o regimento da massa) restringe bastante os objetos que podem entrar na cela, com o intuito de previnir mortes, rebeliões e fuga. Os objetos permitidos são basicamente: pilhas aaa, pasta de dentes em tubos de plástico, sabonetes, desodorantes roll-on, analgésicos, lâmpadas, barbeadores, canetas, tecido e papel diverso. A partir dessas primitivas, é formado todo o universo de utensílios possíveis.

Então, vamos falar do interruptor de luz.

A primeira vez que fui solicitado a acender uma lâmpada em específico, ao olhar para a mesma encontrei a seguinte cena: um fio de alumínio de quentinha enrolado em volta da rosca, cuja solda no fundo era ligeiramente levantada para que fosse possível prender o segundo fio, tudo isso pendurado no teto de maneira precária e só. É bobagem dizer que não havia disponível alicate, chave de fenda, multímetro, luva ou qualquer forma mais elaborada de ferramenta, mas as minhas mãos estavam ali, os fios separados esperando para serem unidos, a lâmpada apagada e o colega de cara feia me olhando como quem diz: “vai acender essa porra ou não vai?”.

Pensei por mais um segundo e conclui: Aqui só tem bandido, e como esse adjetivo sugere dureza, o normal deve ser acender a luz no modo hardcore mesmo, no melhor do estilo homem elétrico, na porrada. Toma! Grrrraaaarrrrrgh! Tásck! Acendi.

Depois de algum tempo, estando já habituado às descargas elétricas (descobri que o negócio é tascar-lhe a mão no fio com raiva mesmo, que assim a eletricidade te respeita), me foi apresentado o projeto do interruptor de cadeia.

Este consistia em cortar a parte superior do tubo de pasta de dentes (do ponto de maior diâmetro para cima), posicionar um pequeno pedaço de alumínio de quentinha no fundo da tampinha e fazer dois furos na extremidade da rosca do tubo, prendendo nestes os fios que deveriam acender a lâmpada, sem que isto impedisse de rosquear a tampinha com seu alumínio ao fundo. O resultado desta maravilha tecnológica era que, ao rosquear a tampinha até o máximo, o alumínio tocava ambos os fios simultâneamente, acendendo a lâmpada. Ao desrosquear, é tolice dizer o que acontece.

Na medida em que o férmion de merda recém chegado se socializa e aprende, vai sofrendo o processo de refermionização, até que venha a se tornar, enfim, um Bóson de Higgs.

Para entender como isso tudo acontece na teoria, clique aqui.

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